Uma pintura do inglês George Frederic
Watts, atualmente exibida na famosa Tate Galery de Londres, apresenta uma
significativa alegoria: uma mulher com os olhos vendados, sentada sobre o globo
terrestre, tendo em suas mãos um alaúde. Todas as cordas do instrumento musical
estão arrebentadas, menos uma. A mulher aparenta estar atenta à música tirada
desta única corda – essa corda é a Esperança.
Vivemos tempos sombrios. A
desesperança, seja ela em utopias materialistas ou religiosas campeia,
alimentada pelas brasas do ódio que insiste em bradar de sarjetas a tronos,
passando por (quase) todas as tribunas. No Brasil, o espectro político hiperpolarizado,
com as vozes da concórdia e do sapiente “caminho do meio” sufocadas, ou pior,
acusadas de mascararem “isentões”, é ferramenta para as hostilidades das
extremas direita e esquerda. O diagnóstico é triste e a pílula, difícil de
engolir: nossa sociedade está doente. Doente da alma, ferida em seu humanismo
no que ele tem de mais nobre e fraternal; doente de suas fés religiosas, com o
uso distorcido de suas mensagens de paz para fins eleitoreiros, interesseiros e
intolerantes. Nossa situação calamitosa de desigualdade social, que volta a
crescer com o neoliberalismo covarde (perdoe a redundância, amigo leitor) do
milionário (sintomático, hum?) Paulo Guedes, trabalha furiosamente para
dinamitar as esperanças que nos restam e resistem.
O que vemos por aí é maniqueísmo que
se chama: a crença de que o bem puro e o mal puro se digladiam. Mas quem é o
mal? O mal é o próximo, o outro, nunca eu. Nunca você. O mal é o coxinha que
quer proibir os livros de Marx na escola. Ou o vermelho que quer dinamitar
igrejas. Fácil, não? Mas somos humanos, e pelo entendimento bíblico, seres
transidos de fios de mal e bem, acertos e erros – sim, a Bíblia e a maioria das
grandes religiões mundiais nos referem como seres em processo, cuja jornada é a
própria formação. Livres em nossas circunstâncias, que nos limitam em parte e
em parte condicionam, mas são impotentes para aniquilar o que temos de divino.
E esse toque “divino”, fino fio que nos mantém de pé, frágil filamento que nos
une uns aos outros, que conduz (para nós, através de nós e a partir de nós) uma
certa pulsante corrente elétrica, é a Esperança.
É preciso esperançar. Acreditar
contra nossas diferenças, resistir contra os flagelos e os flageladores, os
verdugos à serviço da exclusão e do maniqueísmo. Suas agendas não são as
nossas; sua estreiteza não no diz respeito. Martin Luther King, o grande pastor
e líder civil da mais singular expressão, assevera: “Devemos aceitar a decepção
finita, mas nunca perder a esperança infinita”. E conclui: “Se eu ajudar uma
pessoa a ter esperança, não terei vivido em vão”.
Aquela única corda da alegoria de
Watts, citada no início deste texto, fio solitário, é na verdade uma ponte.
Sim, é uma ponte a Esperança, fio a co-ligar e conduzir o homem (indivíduo e
sociedade), e cabe a cada um de nós o papel de seus arautos, de pontífices
(construtores de pontes) para nosso próximo.
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Há algum tempo, organizei e
editei uma antologia de citações reunindo frases sobre a Esperança e ainda as outras duas das chamadas virtudes teologais
(principais) cristãs, o Amor e a Fé. São ao todo 750 citações, e o livro,
gratuito, pode ser baixado aqui: https://drive.google.com/file/d/0B0F-wUwMTQUDTTJ6THJXSmUzNUE/view
Sammis Reachers
ARTIGO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO JORNAL DAKI (São Gonçalo - RJ).
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