quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Pecado Social



Pecado Social

por Ronald J. Sider

É possível fazer com que a opressão se torne algo legalizado. Os legisladores elaboram leis injustas e os burocratas implementam a injustiça. Deus expressa o seu divino desgosto contra os governantes que usam seus cargos oficiais para elaborar leis injustas e tomar decisões legais que levam à desigualdade. A opressão legalizada é uma abominação para o nosso Deus. Por causa disso, Deus exorta o seu povo a opor-se às estruturas políticas que perpetuam a injustiça.
Há uma longa tradição de pessoas do povo de Deus que desafiaram as estruturas políticas da sua época. Moisés, por exemplo, foi falar com o Faraó, Ester foi falar com o rei persa, William Wilberforce ajudou a erradicar o tráfico transatlântico de escravos e o Dr. Martin Luther King teve um papel importante no movimento dos direitos civis nos EUA. Nos dias de hoje, os cristãos também se manifestam contra a corrupção e as políticas que perpetuam a injustiça. No entanto, o negligenciamento do ensino bíblico sobre a injustiça estrutural ou sobre o mal institucionalizado é uma das mais mortíferas omissões em muitas partes da igreja nos dias de hoje. Os cristãos frequentemente restringem a ética à uma estreita classe de pecados “pessoais”, tais como o abuso de drogas e a má conduta sexual, mas ignoram os pecados do racismo institucionalizado e das estruturas econômicas injustas que também destroem um número parecido de pessoas.
Há uma diferença importante entre os atos individuais conscientemente voluntários (tais como mentir para um amigo ou cometer um ato de adultério) e a participação em estruturas sociais malignas. A escravidão é um exemplo deste segundo caso, assim como também o sistema adotado pelas fábricas na era vitoriana na Inglaterra, as quais usavam crianças de dez anos de idade para trabalhar de doze a dezesseis horas por dia. Tanto a escravidão como o trabalho infantil eram legalizados, mas destruíram milhões de pessoas. Eles eram males institucionalizados ou estruturais.
Deus odeia as estruturas econômicas malignas e os sistemas jurídicos injustos porque eles destroem centenas, milhares e milhões de pessoas. Podemos ter certeza de que o justo Senhor do universo destruirá os governantes perversos e as instituições sociais injustas (leia 1 Reis 21).
Há um outro aspecto do mal institucionalizado que o torna especialmente pernicioso. O mal estrutural é tão sutil que nos enredamos nele sem compreendê-lo plenamente. Deus inspirou o profeta Amós a proferir algumas das palavras mais ásperas que encontramos nas escrituras, contra as mulheres cultas da classe alta da sua época: “Ouçam esta palavra, vocês, vacas de Basã...que oprimem os pobres e esmagam os necessitados e dizem aos senhores deles: ‘Tragam bebidas e vamos beber!’ O Senhor Soberano jurou pela sua santidade que certamente vai chegar o tempo em que serão levados com ganchos, e os últimos de vocês com anzóis” (4:1-2).
As mulheres em questão podem ter tido pouco contato direto com os camponeses pobres. Talvez elas nunca tenham percebido completamente que só podiam ter belos tecidos e festas animadas, em parte, por causa do suor e das lágrimas dos pobres. Talvez elas tenham até sido bondosas, em certas ocasiões, com algumas das pessoas oprimidas. Deus chamou essas mulheres privilegiadas de “vacas” porque elas participavam de um mal estrutural, ou seja, suas vidas eram sustentadas pela opressão alheia. Diante de Deus, elas eram pessoalmente e individualmente culpadas.
Se fizermos parte de um grupo privilegiado que se beneficia do mal estrutural, ou cujas vidas são sustentadas pela opressão alheia, e se tivermos pelo menos alguma compreensão do mal e não conseguirmos fazer o que Deus quer que façamos para mudar a situação, seremos culpados diante de Deus.
Sistemas injustos e estruturas opressoras representam uma abominação para Deus, e “pecado social” é a frase certa para categorizá-los. Além disso, ao entendermos o mal que eles fazem, temos a obrigação moral de fazer tudo o que Deus quer que façamos para mudá-los. Se não o fizermos, estaremos pecando. Essa é a implicação clara do ataque severo de Amós às mulheres ricas da sua época. É também a implicação clara de Tiago 4:17: “Pensem nisto, pois: Quem sabe que deve fazer o bem e não o faz, comete pecado”.
No Novo Testamento, a palavra cosmo (mundo) muitas vezes transmite a ideia de mal estrutural. No pensamento grego, a palavra cosmo referia-se às estruturas da vida civilizada, especialmente aos padrões da cidade-estado na Grécia Antiga que eram considerados essencialmente bons. No entanto, os escritores bíblicos sabiam que o pecado tinha invadido e distorcido as estruturas e os valores da sociedade. Frequentemente, o Novo Testamento usa a palavra cosmo para referir-se, nas palavras de C. H. Dodd, “à sociedade humana, tendo em conta que ela está organizada de acordo com princípios errados”. “Quando Paulo falava sobre ‘o mundo’ em um sentido moral, ele estava pensando na totalidade das pessoas, dos sistemas sociais, dos valores e das tradições em termos da sua oposição a Deus e aos seus propósitos redentores”.
O Papa João Paulo II insistiu acertadamente em dizer que as estruturas sociais malignas estão “enraizadas no pecado pessoal”. O mal social resulta da nossa rebelião contra Deus e do nosso consequente egoísmo para com o nosso próximo. Porém, a acumulação e concentração de muitos pecados pessoais criam “estruturas de pecado” opressivas e “difíceis de serem removidas”. Não veremos sistemas transformados simplesmente convertendo diretores executivos, funcionários de corporações multinacionais e congressistas. Veremos a transformação ao pregarmos o evangelho e ao desmantelarmos as estruturas e os sistemas injustos através de um trabalho eficaz de defesa de direitos, da oração convicta e de uma vida justa.

Fonte: Viva com Justiça: Global, de Tearfund e Desafio Miquéias EUA

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