Pecado Social
por Ronald J. Sider
É possível fazer com que a opressão
se torne algo legalizado. Os legisladores elaboram leis injustas e os
burocratas implementam a injustiça. Deus expressa o seu divino desgosto contra
os governantes que usam seus cargos oficiais para elaborar leis injustas e
tomar decisões legais que levam à desigualdade. A opressão legalizada é uma abominação
para o nosso Deus. Por causa disso, Deus exorta o seu povo a opor-se às
estruturas políticas que perpetuam a injustiça.
Há uma longa tradição de pessoas do
povo de Deus que desafiaram as estruturas políticas da sua época. Moisés, por
exemplo, foi falar com o Faraó, Ester foi falar com o rei persa, William
Wilberforce ajudou a erradicar o tráfico transatlântico de escravos e o Dr.
Martin Luther King teve um papel importante no movimento dos direitos civis nos
EUA. Nos dias de hoje, os cristãos também se manifestam contra a corrupção e as
políticas que perpetuam a injustiça. No entanto, o negligenciamento do ensino
bíblico sobre a injustiça estrutural ou sobre o mal institucionalizado é uma das
mais mortíferas omissões em muitas partes da igreja nos dias de hoje. Os
cristãos frequentemente restringem a ética à uma estreita classe de pecados
“pessoais”, tais como o abuso de drogas e a má conduta sexual, mas ignoram os
pecados do racismo institucionalizado e das estruturas econômicas injustas que também
destroem um número parecido de pessoas.
Há uma diferença importante entre os
atos individuais conscientemente voluntários (tais como mentir para um amigo ou
cometer um ato de adultério) e a participação em estruturas sociais malignas. A
escravidão é um exemplo deste segundo caso, assim como também o sistema adotado
pelas fábricas na era vitoriana na Inglaterra, as quais usavam crianças de dez
anos de idade para trabalhar de doze a dezesseis horas por dia. Tanto a escravidão
como o trabalho infantil eram legalizados, mas destruíram milhões de pessoas.
Eles eram males institucionalizados ou estruturais.
Deus odeia as estruturas econômicas
malignas e os sistemas jurídicos injustos porque eles destroem centenas,
milhares e milhões de pessoas. Podemos ter certeza de que o justo Senhor do
universo destruirá os governantes perversos e as instituições sociais injustas
(leia 1 Reis 21).
Há um outro aspecto do mal
institucionalizado que o torna especialmente pernicioso. O mal estrutural é tão
sutil que nos enredamos nele sem compreendê-lo plenamente. Deus inspirou o
profeta Amós a proferir algumas das palavras mais ásperas que encontramos nas
escrituras, contra as mulheres cultas da classe alta da sua época: “Ouçam esta
palavra, vocês, vacas de Basã...que oprimem os pobres e esmagam os necessitados
e dizem aos senhores deles: ‘Tragam bebidas e vamos beber!’ O Senhor Soberano
jurou pela sua santidade que certamente vai chegar o tempo em que serão levados
com ganchos, e os últimos de vocês com anzóis” (4:1-2).
As mulheres em questão podem ter tido
pouco contato direto com os camponeses pobres. Talvez elas nunca tenham
percebido completamente que só podiam ter belos tecidos e festas animadas, em
parte, por causa do suor e das lágrimas dos pobres. Talvez elas tenham até sido
bondosas, em certas ocasiões, com algumas das pessoas oprimidas. Deus chamou essas
mulheres privilegiadas de “vacas” porque elas participavam de um mal
estrutural, ou seja, suas vidas eram sustentadas pela opressão alheia. Diante
de Deus, elas eram pessoalmente e individualmente culpadas.
Se fizermos parte de um grupo privilegiado
que se beneficia do mal estrutural, ou cujas vidas são sustentadas pela
opressão alheia, e se tivermos pelo menos alguma compreensão do mal e não
conseguirmos fazer o que Deus quer que façamos para mudar a situação, seremos culpados
diante de Deus.
Sistemas injustos e estruturas
opressoras representam uma abominação para Deus, e “pecado social” é a frase
certa para categorizá-los. Além disso, ao entendermos o mal que eles fazem, temos
a obrigação moral de fazer tudo o que Deus quer que façamos para mudá-los. Se
não o fizermos, estaremos pecando. Essa é a implicação clara do ataque severo de
Amós às mulheres ricas da sua época. É também a implicação clara de Tiago 4:17:
“Pensem nisto, pois: Quem sabe que deve fazer o bem e não o faz, comete
pecado”.
No Novo Testamento, a palavra cosmo
(mundo) muitas vezes transmite a ideia de mal estrutural. No pensamento grego,
a palavra cosmo referia-se às estruturas da vida civilizada, especialmente aos padrões
da cidade-estado na Grécia Antiga que eram considerados essencialmente bons. No
entanto, os escritores bíblicos sabiam que o pecado tinha invadido e distorcido
as estruturas e os valores da sociedade. Frequentemente, o Novo Testamento usa
a palavra cosmo para referir-se, nas palavras de C. H. Dodd, “à sociedade
humana, tendo em conta que ela está organizada de acordo com princípios errados”.
“Quando Paulo falava sobre ‘o mundo’ em um sentido moral, ele estava pensando
na totalidade das pessoas, dos sistemas sociais, dos valores e das tradições em
termos da sua oposição a Deus e aos seus propósitos redentores”.
O Papa João Paulo II insistiu acertadamente
em dizer que as estruturas sociais malignas estão “enraizadas no pecado
pessoal”. O mal social resulta da nossa rebelião contra Deus e do nosso
consequente egoísmo para com o nosso próximo. Porém, a acumulação e concentração
de muitos pecados pessoais criam “estruturas de pecado” opressivas e “difíceis
de serem removidas”. Não veremos sistemas transformados simplesmente convertendo
diretores executivos, funcionários de corporações multinacionais e
congressistas. Veremos a transformação ao pregarmos o evangelho e ao
desmantelarmos as estruturas e os sistemas injustos através de um trabalho
eficaz de defesa de direitos, da oração convicta e de uma vida justa.
Fonte: Viva com Justiça: Global, de Tearfund e Desafio Miquéias EUA
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