quinta-feira, 5 de maio de 2011

Entidades evangélicas conseguem bons resultados na recuperação de dependentes químicos


Está na Lei nº 6.368, promulgada em 21 de outubro de 1976: “Todo dependente químico tem direito a tratamento de recuperação em clínicas ou casas especializadas”. A diferença entre a intenção do legislador e a prática, contudo, parece tão grande como a quantidade de dependentes químicos que há no Brasil. Ninguém sabe exatamente quantos eles são – especula-se que algo por volta de cinco por cento da população do país tem ou já teve problemas com álcool ou drogas, o que daria um contingente de quase 10 milhões de pessoas. Fato é que o problema da narcodependência é um pesadelo para inúmeras famílias brasileiras. E a demanda pela recuperação de viciados em tóxicos é cada vez maior, exigindo políticas públicas e investimentos que os governos nem sempre parecem dispostos a fazer. 

No vácuo do poder público, entidades de caráter social e religioso têm preenchido lacunas importantes no atendimento a este segmento. E, no meio evangélico, o desafio de recuperar viciados com ação e amor tem despertado muitas iniciativas. Afinal, foi o próprio Cristo que admoestou seus discípulos para a necessidade de se amparar aquele que sofre. De norte a sul do país, centenas de entidades sociais são administradas por igrejas, ministérios cristãos e ONGs de orientação protestante, fazendo desse tipo de serviço uma prioridade para pastores, líderes e o povo de Deus. É o caso da Associação Cristã de Reabilitação Educacional e Recreativa (Acrer), entidade que desde 1998 desenvolve em Carapicuíba, cidade da grande São Paulo, um trabalho social, cultural e missionário. “A Acrer é uma associação civil sem fins lucrativos, com propósitos fundamentados na Bíblia Sagrada e que trabalha no sentido de reintegrar à sociedade pessoas com os mais diversos problemas”, define o diretor, da casa, Gasparino Alves, que é psicanalista clínico. 

Mantida por contribuições vindas das famílias de alguns alunos, além de ofertas voluntárias de igrejas, comunidades e empresas, a entidade criou em plena Mata Atlântica a Comunidade Terapêutica Jardim das Oliveiras, que conta com alojamentos e uma boa infraestrutura em 600 metros quadrados, capacitada para alojar até 30 internos. Cada um deles é devidamente tratado e acompanhado por profissionais, desde a chegada até a recuperação completa. O programa terapêutico é composto por diversas atividades: triagem, entrevista motivacional, reuniões culturais, reflexão, terapia de grupo de auto-ajuda, terapia ocupacional, esporte e lazer. Além, é claro, de estudos bíblicos e atividades de cunho espiritual. “A localização ajuda também a despertar nos pacientes a conscientização ecológica”, lembra Gasparino. 

De acordo com o regulamento interno, o programa de recuperação tem duração de seis meses, período em que os residentes contam com orientação sócio-familiar e se mantêm em total abstinência de drogas. Após esse período, eles são reintegrados à sociedade, ainda sob um monitoramento, garantido com a colaboração de ex-internos e da própria família. “Considero a Acrer um ministério, que realiza um trabalho de grande importância. Além de ter tirado jovens das drogas, muitos estão tendo acesso à Palavra de Deus”, aponta Jorgival Gabriel dos Santos, pastor da Igreja Batista Regular de Cubatão (SP). É uma das poucas congregações que apóiam a entidade. “Infelizmente, falta incentivo por parte das igrejas e dos cristãos em geral”, lamenta o religioso. 

Nesses quase dez anos de ministério, de acordo com dados da própria Acrer, mais de 600 pacientes foram atendidos e internados, sendo que cerca de 30% cumpriram o programa. Além da recuperação física, moral e social, muitos passaram a se dedicar à pregação do Evangelho que os libertou, atuando em ministérios e igrejas espalhadas pelo Brasil. “Nossa satisfação é ver tantas pessoas recuperadas”, comemora o pastor Gasparino. Uma dessas pessoas é Walter de Souza Soares, pastor e missionário ligado à Igreja Batista Nacional de Uberlândia (MG). Ex-drogado e delinqüente, ele passou por uma clínica para tratamento de dependência e hoje trabalha como coordenador terapêutico da Acrer. Sua função é fazer com que outros jovens sigam seu exemplo e também descubram uma nova vida, tanto social como espiritual. “Fazer parte desse grupo é uma grande bênção, pois está me possibilitando desenvolver esse trabalho”, comenta. Formado como técnico em dependência química, ele também presta auxílio à Capelania Evangélica do Hospital das Clínicas de São Paulo, mas é na Acrer que encontra maior motivação. “O foco do trabalho, ao contrário de muitas clínicas de tratamento, é dar assistência àqueles com menos condições ou sem recurso algum. São pessoas que necessitam, tanto de ajuda humanitária como da ajuda de Deus”, destaca o obreiro. E ele criou até um lema pessoal, que traduz perfeitamente sua inspiração ministerial: “Drogas nunca mais! Jesus para sempre!”, finaliza. 

“Redes ao mar” – Na mesma linha de ação, a Casa de Recuperação de Vidas Sociais de Penápolis (Crevisope), localizada naquele município do oeste paulista, tem sua trajetória marcada pelas milhares de pessoas que passaram por ali. Ao longo de vinte anos, a entidade filantrópica, fundada pelo pastor assembleiano Wagner de Jesus Bertocco, atua para livrar jovens do pesadelo das drogas. O próprio Bertocco tem muita legitimidade para aconselhá-los: “Fui um narcodependente durante quinze anos, mas hoje estou liberto e o Senhor me chamou para esse ministério. É uma responsabilidade muito grande trabalhar em sua obra”, conta. 

Na Crevisope, o tratamento oferecido em caráter de internação tem duração de um ano e é fundamentado, principalmente, na reintegração social. Para isso, é imprescindível o convívio com outras pessoas que já passaram ou que estão passando pelo mesmo processo. O programa inclui, ainda, de um cronograma de estudos bíblicos, atividades individuais e em grupos, além de terapias ocupacionais. “Nosso objetivo é que, durante o período de adaptação, o interno possa ter um comportamento aceitável dentro da norma estabelecida pela instituição, dando claras demonstrações de seu propósito em reestruturar sua vida moral, social e espiritual”, explica o diretor. A instituição tem capacidade para 60 internos, que recebem o título de alunos – a filosofia é de que todos estão ali para aprender com os erros cometidos no passado. “Por isso lançamos as nossas redes ao mar; o Senhor Jesus Cristo está conosco e essa obra pertence a ele”, encerra o pastor Bertocco. 

Ensinar o caminho de uma nova vida aos dependentes é também a proposta e a razão de ser da Missão Ebenezer, entidade interdenominacional localizada em Praia Grande, litoral sul de São Paulo. A propriedade, de 5 mil metros quadrados, é fruto da doação de um evangélico, o diácono Rubens de Souza, da Primeira Igreja Batista de São Vicente. Ele ficou sabendo que o pastor Reinaldo Pagani estava interessado em alugar uma área para instalar sua missão, e primeiramente emprestou uma casa. Após seis meses, pressentiu de deveria fazer algo mais ao ver os resultados da atividade, realizada de maneira séria e humana pelo pastor e sua mulher, Maria Helena. “Deus tocou meu coração e eu decidi doar o terreno”, lembra Rubens. 

A Ebenezer é voltada exclusivamente para o atendimento a mulheres. Além de um sólido tratamento, que dura exatos nove meses – numa alusão ao período de gestação –, o programa é dividido em duas fases: na primeira, com duração de três meses a partir da internação, inicia-se um processo de desintoxicação por meio de orientação espiritual e alimentação adequada; em seguida, vem a adaptação ao ambiente, período em que a casa não abre mão dos mais diversos recursos ocupacionais como terapias, palestras, orientação cristã e reuniões de discipulado. No fim do processo, devidamente reabilitadas, as pacientes retornam para seus lares e famílias, com a orientação de fazer parte de uma igreja evangélica. “No decorrer do tratamento, a pessoa é apresentada a Deus e, com isso, passa a amar e valorizar mais a sua vida”, explica o diretor. 

De acordo com levantamentos realizados pela equipe do pastor Reinaldo, cerca de 700 mulheres já foram recuperadas pela missão Ebenezer – um trabalho de formiguinha, se levado em conta o fato de que as instalações podem receber apenas 14 internas de cada vez. Como as demais associações do gênero, a Ebenezer também se sustenta através de ofertas voluntárias de pessoas e de igrejas. Uma das mantenedoras do trabalho é a Igreja Bola de Neve, que reverte à missão todo o valor arrecadado com as vendas do CD Overdose de vida, da Banda Ruth´s (ver reportagem nesta edição). “Há cerca de 13 anos, a pastora Denise fez sua recuperação com a gente, e os hinos de seu disco foram inspirados no trabalho realizado aqui”, conta Reinaldo, referindo-se a Denise Gouveia, vocalista do grupo Tribo de Louvor e esposa do pastor Rina, fundador da Bola de Neve. Para ela e para as outras centenas de mulheres recuperadas ali, o Evangelho foi o caminho de saída para o pesadelo das drogas – um caminhos que leva ao céu.

José Donizetti Morbidelli
Jornalista e assessor de comunicação e marketing

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