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A Folha de São Paulo de 6 de maio publicou uma série de artigos sobre o ACTA, analisando os efeitos negativos para o país caso esse tratado seja assinado.
Seguem abaixo os textos na íntegra:
ARTIGO 1
Brasil é alvo de ricos em pacto antipirataria
Por Luciana Coelho (de Genebra) e Andrea Murta (De Washington)
Um acordo sobre propriedade intelectual negociado a portas fechadas por EUA, Japão, União Europeia e outros oito países terá como alvo maior Brasil e China, segundo apurou a Folha. Se selado, afetará de distribuição de remédios genéricos a conteúdo na internet.
O Acta (acordo comercial antipirataria, na sigla em inglês) passa ao largo de instituições multilaterais como a OMC e a Organização Mundial para Propriedade Intelectual (Ompi) e teve seu cronograma de negociações acelerado recentemente para permitir sua assinatura até o fim deste ano.
Caso a meta seja cumprida, segundo um rascunho divulgado na semana passada pela UE e os EUA, mudará radicalmente a distribuição de conteúdo sem licença na rede -infratores perderão o acesso à internet- e afetará o comércio de medicamentos genéricos, facilitando a apreensão de cargas em países de trânsito.
Criará ainda uma dubiedade de fóruns de arbitragem que causa preocupação nas instituições envolvidas. Tanto a OMC como a Ompi confirmaram ter recebido na semana passada pedidos de parlamentares europeus, insatisfeitos com a negociação, para examinar o acordo sob o aspecto institucional. Mas, excluídas até agora das conversas, nenhuma delas vê espaço para um parecer.
Embora as negociações tenham começado em 2007, os primeiros rascunhos do acordo vieram à luz apenas no mês passado, primeiro sob a forma de um texto vazado, ao qual a Folha teve acesso, depois em uma versão lapidada divulgada pela própria UE ante a pressão.
Apesar de o número de países envolvidos ser restrito (há apenas dois em desenvolvimento, Marrocos e México), analistas e diplomatas ouvidos pela Folha nos EUA, na Europa, no Canadá e no Brasil creem que o Acta logo se tornará uma moeda de troca em futuros tratados. Sob essa ótica, países que queiram fechar acordos com os EUA e a UE teriam como condição a assinatura do tratado, mesmo que não tenham participado de sua confecção.
"Haverá muita pressão para a adesão ao Acta, especialmente sobre o Brasil, a Índia, a China, a Rússia e, em escala um pouco menor, a África do Sul", disse à Folha por telefone Sean Flynn, que coordena o Programa de Justiça da Informação e Propriedade Intelectual da Escola de Direito de Washington, na American University.
Fora do debate como os demais Brics, Brasília não vê a iniciativa com bons olhos. "É um acordo plurilateral feito sem a participação dos países em desenvolvimento, com umas poucas exceções", afirma o embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo. "É uma tentativa de impor padrões ao resto do mundo e fere os Trips (o acordo de propriedade intelectual e comércio assinado na OMC em 1994)."
Há riscos mesmo que o país não se una aos signatários. O Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito-Rio alerta que o Acta pode virar instrumento de pressão para alterar a legislação doméstica.
Consenso a favor
Os EUA não escondem que há forte consenso político e empresarial em favor do Acta, em parte devido à expectativa de que o acordo final exportará uma visão mais semelhante às leis americanas do que outras. "O rascunho foi bem avaliado por Washington, pois aborda as preocupações do país", afirmou Mark Esper, vice-presidente executivo para propriedade intelectual da Câmara de Comércio americana. "Pelo que o escritório americano para o Comércio USTrade nos diz, a versão final será coerente com as leis dos EUA e o escopo será parecido com acordos de livre comércio que já temos."
ARTIGO 2 - ANÁLISE
Tratado quer tirar poder das Nações Unidas
Por Ronaldo Lemos (Colunista da Folha) e Pedro Mizukami (Especial para Folha)
O Acta (acordo comercial antipirataria, na sigla em inglês) é um tratado negociado em segredo. Por mais de dois anos seu texto permaneceu oculto, situação revertida com a recente publicação de versão preliminar. Tanto a opacidade das negociações (conduzidas por EUA, Japão, União Europeia e mais oito países) como o texto da proposta vêm sendo duramente criticados.
O objetivo do Acta é a questão do "enforcement" (expressão vertida para o português como "observância") dos direitos de propriedade intelectual.
Como justificativa para as negociações, diz-se que diante dos avanços da pirataria e da contrafação seriam necessárias normas mais robustas para assegurar a cooperação entre os países, impor sanções civis e criminais e criar mecanismos para eliminar o compartilhamento de arquivos na internet.
Evidentemente, não se trata aqui de questões novas. Esses temas são abordados há anos pela Ompi (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), órgão da ONU com atribuição da comunidade internacional para tratar da matéria.
Também pela OMC (Organização Mundial do Comércio), que dispõe de normas detalhadas sobre observância da propriedade intelectual, permitindo até a imposição de sanções comerciais contra os países em descumprimento (como ilustra a disputa entre Brasil e os EUA envolvendo o algodão).
A pergunta que se impõe é: por que então criar um terceiro fórum para tratar da propriedade intelectual no plano internacional? O Acta prevê em seu texto atual o estabelecimento de uma nova instituição, em paralelo às atuais, para tratar da matéria de forma autônoma.
O que surpreende não é a estratégia de esvaziamento dos fóruns já existentes, em que a presença da comunidade internacional é historicamente consolidada. É a clareza com que surge essa tentativa, que se traduz no fato de que os grandes países-alvo do acordo (como Índia, Rússia, China e Brasil), inseridos com frequência nas listas de "países piratas" elaboradas unilateralmente por países desenvolvidos, não façam parte das negociações.
Ainda que seja pouco provável que o Acta venha a receber adesão maciça de outros países, o acordo serve desde logo de instrumento de pressão, tanto comercial quanto para a adoção de legislação que não corresponde aos interesses locais. O que justifica, no mínimo, que tenha mais transparência.
ARTIGO 3
Com o acordo, até produto legítimo pode ser apreendido
De Genebra e Washington
Isso poderá ocorrer durante o trânsito de cargas se um país fizer valer suas regras.
Para especialistas, acordo deve definir com clareza a possibilidade de apreensão de produtos legítimos em trânsito por algum país.
O texto recém-divulgado do Acta ainda está repleto de indefinições entre colchetes, o que dificulta saber o que de fato entrará na versão final. Nova reunião está programada para Genebra no final de junho, e o cronograma foi acelerado para buscar uma conclusão até o fim deste ano.
Até por isso nenhum dos centros de estudo consultados pela Folha, e tampouco os diplomatas, faz uma estimativa de qual poderia ser o impacto econômico do acordo.
Por ora, duas provisões têm arregalado os olhos dos especialistas. Uma diz respeito a baixar conteúdo da internet.
O texto em circulação prevê responsabilizar os provedores por vigiar o acesso de todos os usuários e repassar dados aos comitês de monitoramento que seriam criados com o acordo, o que os críticos veem como violação de privacidade.
A Justiça então notificaria o usuário. Com três infrações, o provedor seria obrigado a banir o internauta da rede.
"(O acordo) não tem nada prevendo expandir o acesso aos produtos culturais, mas tem provisões para que os países tirem alguém da internet", diz Sean Flynn, do Programa de Justiça da Informação e Propriedade Intelectual, aludindo ao fato de muitos internautas que querem pagar por conteúdo são impedidos por regras de distribuição regional.
O outro ponto de atenção é o controle de fronteiras, especialmente no caso dos genéricos. A versão vazada prevê maior policiamento e faz valer as regras do país em trânsito.
Isso significa que se o Brasil compra uma carga de genéricos da Índia e o navio para na Holanda para fazer manutenção, Amsterdã pode apreender a carga. É exatamente o episódio que ocorreu no ano passado, avalizado pela legislação da UE -que agora será expandida aos outros dez signatários.
"Nossa preocupação é que o Acta cristalize essa posição de apreensão de produtos de comércio legítimo, o genérico, e confunda com medicamento falso", diz Renata Reis, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual, no Rio de Janeiro.
Segundo diplomatas, um caso assim pode ser levado à OMC. Mas especialistas temem que a dubiedade de fóruns, mesmo que a OMC pese mais por ora, trave o processo.
Pela estimativa mais recente da OCDE (o clube multilateral que congrega 31 países ricos), desde 2007 a pirataria causa prejuízo acima de US$ 250 bilhões ao ano e responde por quase 2% do comércio mundial, uma trajetória de alta contínua desde o início da década.
Os países envolvidos na negociação, capitaneados pelos EUA, argumentam que a OMC e a Ompi não são duras o bastante no combate à produção e à distribuição de produtos falsificados (comerciais ou não).
"A questão aí é o "forte o bastante’", disse à Folha uma fonte familiarizada com a discussão na OMC. "Os Trips lidam com copyright, propriedade intelectual em geral e acesso ao conhecimento, tanto do ponto de vista da proteção como do acesso, e permitem flexibilidade aos membros."
Para o embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário geral do Unctad (braço da ONU para comércio e desenvolvimento), o contexto geopolítico hoje deve dificultar o avanço do acordo. Ele lembra de uma situação semelhante com o Acordo Multilateral de Investimentos, que acabou naufragando no meio dos anos 90 ante a falta de consenso dos participantes.
"Isso impor o Acta a outros países só seria possível com uma correlação de forças mais favorável a eles países desenvolvidos. No passado, os Trips catalisaram a oposição à OMC. Acho que um acordo como esse hoje provocaria reação ainda mais virulenta." (LC e AM)
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Um comentário:
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