quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

É POSITIVA A PROPOSTA DO TSE QUE BUSCA RESTRINGIR AS DOAÇÕES OCULTAS A CANDIDATOS?

Medida salutar

CLAUDIO WEBER ABRAMO

NAS DEMOCRACIAS representativas de matriz liberal, como é o caso do Brasil, os mecanismos de financiamento eleitoral operam sob a tensão da disparidade entre o poder econômico de empresas privadas e o de eleitores individuais. Uma vez que existam empresas privadas, é inevitável que elas procurem influenciar a política. O grau com que se permite isso é aspecto central das legislações eleitorais.
A legislação brasileira é muito mais adiantada do que a de diversos países desenvolvidos. Enquanto no Brasil as contas eleitorais são tornadas públicas logo após cada eleição, não são incomuns situações em que a contabilidade só aparece anos depois.
Na Espanha, por exemplo (onde isso é feito pelo Tribunal de Contas), ainda não se conhecem as contas do pleito de 2006, embora alguns de seus detalhes tenham "vazado" alguns dias atrás ("El País", 25/1).
Tais notícias dão conta de que o Partido Popular, no poder, recebeu 3 milhões de euros de doações anônimas naquelas eleições -as últimas em que se permitiram doações eleitorais sem identificação do doador, algo proibido no Brasil há muito tempo.
De um lado, é fundamental que o poder econômico empresarial seja limitado. De outro, é crucial que os financiamentos sejam conhecidos pela opinião pública, para que se torne possível verificar se os atos dos agentes políticos eleitos são influenciados pelas doações que receberam.
Políticos e empresas não gostam disso e usam artifícios diversos para escamotear a informação. Há artifícios legais e ilegais. Um aspecto da legislação brasileira que estimula artifícios legais é o desvinculamento entre as finanças dos partidos e as finanças de comitês e candidatos em eleições.
Desde 2001, a Transparência Brasil tem apontado para presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o fato de que tal desvinculamento permite que empresas façam doações a partidos, os quais repassam o dinheiro a candidatos sem que seja explicitado o nexo entre origem e destino. A lacuna foi finalmente reconhecida pelo TSE, que submeteu a audiência pública proposta de normas para a regulamentação do pleito deste ano.
A regulamentação estabelece que, ao realizarem doações a candidatos, os partidos precisarão alocar (completamente ou por rateio) cada montante a créditos identificados. Por exemplo: "R$ 100 mil ao candidato A, dos quais R$ 20 mil são provenientes de doação da empresa X e R$ 80 mil da empresa Y".
A medida é salutar para reduzir os espaços legais para o exercício oculto do poder econômico em eleições. Quanto aos artifícios ilegais, configuram o chamado caixa dois eleitoral (dinheiro originado de sonegação fiscal que é usado por empresas para financiar candidatos por baixo do pano). Alguns imaginam que o caixa dois eleitoral possa ser coibido pela proibição do financiamento privado, fazendo com que as eleições sejam financiadas exclusivamente com recursos públicos.
A proposição de financiamento público exclusivo é afetada por uma deficiência lógica intransponível, a saber, não faz sentido procurar evitar o caixa dois pela proibição do caixa um. Uma vez que o interesse de empresas de influenciar as eleições e o interesse de candidatos de obter financiamentos persistem independentemente de normas legais, o que se conseguiria com a medida seria induzir a migração de parte do financiamento eleitoral do caixa um para o caixa dois.
Na verdade, caixa dois eleitoral só pode existir porque empresas mantêm caixa dois, e isso é um problema de natureza fiscal, não eleitoral. Coíbe-se a contabilidade paralela apertando-se a fiscalização tributária, muito deficiente na maioria dos Estados e na virtual totalidade dos municípios. (Há ainda caixa dois em refúgios fiscais situados no exterior, a respeito dos quais não há nada a fazer senão tornar mais visíveis as transações financeiras internacionais -algo que horroriza bancos, empresas transnacionais e muitos governos.) Por fim, ao se examinarem regras eleitorais, há um, e um só, fator ao qual se deve prestar atenção: em que medida aquilo que se propõe beneficia ou prejudica o eleitor. O resto é secundário. A medida proposta pelo TSE claramente beneficia o eleitor.

CLAUDIO WEBER ABRAMO, matemático, mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp, é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção.

via Folha de São Paulo 

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