sábado, 29 de agosto de 2009

A vitória dos medicamentos genéricos

Leia abaixo matéria publicada no O Estado de São Paulo, de co-autoria de Renata Reis, que é co-autora com o Prof. Pedro Paranaguá do curso a distância da FGV Online, sobre Patentes e Criações Industriais.


Marcela Vieira e Renata Reis*

O acesso universal ao tratamento da Aids sempre foi uma bandeira dos movimentos sociais no Brasil. A partir dessa mobilização, o Estado adotou essa medida como um componente essencial da resposta brasileira à epidemia. Essa política ousada e pioneira, muito contestada à época inclusive por especialistas no tema, mostrou-se fundamental: a distribuição universal de antirretrovirais (ARVs) foi e continua sendo a garantia de vida para milhares de pessoas. Entre 1996 e 2006, houve uma redução de 65% na mortalidade por Aids no Brasil. Além disso, houve uma redução das hospitalizações em 80%,gerando uma economia de gastos da ordem de US$ 2,3 bilhões, segundo dados do Programa Nacional DST/Aids.

Uma política com essa magnitude e importância acarreta uma preocupação capital como tema da sustentabilidade. A produção nacional dos medicamentos foi o pilar de sustentação do programa de distribuição universal, ao permitir a diminuição dos preços em relação aos praticados no mercado internacional pelos produtores dos medicamentos de referência. Naquele período, o Brasil não concedia patentes para medicamentos.

Não tardou para que o apogeu do neoliberalismo culminasse com a assinatura do acordo de propriedade intelectual (Acordo Trips) da Organização Mundial do Comércio, em 1994. Ele estabeleceu que os países em desenvolvimento teriam até 2005 para incorporar as novas regras internacionais em suas legislações internas; mesmoassim, o Brasil, precipitadamente, alterou sua legislação em 1996 e passou a conceder proteção patentária para todos os campos tecnológicos, incluindo o farmacêutico. De acordo com as novas regras,os medicamentos – essenciais para a garantia do direito humano à saúde – passaram a ser tratados como qualquer outra mercadoria.

Os anos que se seguiram à alteração da lei brasileira foram de apreensão e sensação de perda para os movimentos de saúde e direitos humanos. No entanto,a necessidade de articulação e resistência falou mais alto e o luto se transformou em ação. Os movimentos passaram a estudar o tema e exigir do Estado a incorporação legal e utilização das flexibilidades previstas no Trips, entre elas a licença compulsória e, principalmente,exigiram do poder público a supremacia da vida sobre o comércio. Foram anos de acúmulo e influência junto às autoridades, no sentido de demonstrar a importância dessas medidas para o Brasil e para outros países em desenvolvimento.

Finalmente em 5 de maio de 2007, o governo brasileiro emitiu uma licença compulsória para o Efavirenz – medicamento ARV cuja patente pertence ao laboratório Merck Sharp&Dohme. Na época, o medicamento era comercializado por cerca de R$3 por comprimido,representando um total de R$ 90 milhões por ano. Atualmente, 85 mil pessoas usam o Efavirenz no Brasil.

Na emissão da licença, foi informado que a versão genérica do medicamento seria importada da Índia até que houvesse a produção por laboratórios brasileiros. Assim, o Brasil passou a comprar uma versão genérica produzida pelo laboratório indiano Ranbaxy, ao preço de R$ 1 por comprimido. Com a aquisição do genérico indiano, a economia superou R$ 60 milhões / ano.

Foram muitas as especulações no sentido de que o Brasil não teria capacidade técnica para fazer o medicamento. Apesar de não ter ficado pronto na dataprometida, o Efavirenz nacional contrariou as expectativas pessimistas e foi aprovado pela Anvisa na última segunda-feira (26/01) e já pode ser produzido pelo Farmanguinhos (Fiocruz). O ARV brasileiro será comercializado ao preço de R$ 1,35 por comprimido, 45% do preço praticado pela Merck.

Embora a produção nacional de medicamentos seja reconhecida pelos movimentos de saúde como essencial,não se pode negar que o objetivo fundamental de nossas lutas é a garantia do acesso a medicamentos à população. Nesse sentido, a combinação de estratégias, qual sejam, importação do genérico indiano e posterior produção nacional, foram fundamentais para o sucesso da licença.

É compreensível que o preço inicial do Efavirenz brasileiro não seja o mesmo do praticado pelos concorrentes indianos, tendo em vista o volume de venda, número de produtores e pré-adaptação do parque industrial até 2005 (ano em que a Índia reconheceu patentes farmacêuticas).

A produção em larga escala é um importante fator na redução de preços. Por esse mesmo motivo é de se esperar que o preço do produto brasileiro seja reduzido no curto prazo, pelo aumento da produção não só do Efavirenz, mas também de outros medicamentos ARVs cujas patentes vão expirar em breve e também de medicamentos de alto custo utilizados no tratamento de outras doenças. Além disso, o fortalecimento da produção nacional é a resposta para outro problema que terá que ser enfrentado em breve: a incapacidade dos laboratórios internacionais em atender à crescente demanda por ARVs no mundo.

No entanto, continua sendo importante o papel da sociedade civil brasileira de monitorar e compreender o estabelecimento do preço final do genérico brasileiro, principalmente no que tange ao preço dos princípios ativos produzidos pelos laboratórios nacionais privados e à transparência em relação à dinâmica dos próprios laboratórios públicos.

Esses fatos nos levam aquestionamentos outros. Como o Brasil está se preparando para produzir os medicamentos cujas patentes brevemente expirarão e têm amplo uso no país? No atual cenário pós-2005, com a incorporação das regras do Acordo Trips na Índia, não teremos mais alternativas de fornecedores de versões genéricas no âmbito internacional. Nossa defesa continua, sim, a favor da produção local como componente estratégico de uma política de sustentabilidade do acesso a medicamentos essenciais. Queremos umaprodução local pautada na transparência dos processos e políticas e com vistas a racionalizar a utilização dos recursos públicos, especialmente neste momento em que o governo se compromete com uma nova política que estabelece o complexo industrial de saúde.

* Advogadas, integrantes do Grupode Trabalho em Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos(Rebrip)

Fonte: O Estado de São Paulo, via http://a2kbrasil.org.br

Um comentário:

Sammis Reachers disse...

Olá amigo Laguardia, já aderi via blog Confeitaria Cristã. Vamos à luta!

Querida Idaci, maravilhosa sua mensagem, obrigado. Visitei seu blog, e fui edificado com a quantidade de informações.

Um abraço amigos!

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