quarta-feira, 5 de abril de 2017

O Papel da Espiritualidade na Prevenção das Drogas


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Carlos Tadeu Grzybowski

INTRODUÇÃO

O presente artigo procura refletir sobre o papel da religião, entendida como transmissora de esperança, no processo de prevenção da dependência química, especialmente no trabalho voltado para adolescentes.
Palavras-chave: religião, dependência química, esperança, adolescência.

A APOLOGIA DA DROGA

Existe unanimidade entre os autores atualmente que a dependência de drogas tem uma origem multifatorial (Gutierres et al., 1994; Humes et al., 1994; Monteiro, 1990).
Quase diariamente a temática volta à tona, deatacada pela imprensa como associada à violência e de desestabilização social. Serra (1999), enquanto ministro da saúde no Brasil afirmava que: “A questão das drogas é muito mais um problema de saúde pública que de polícia. É como na AIDS:a prevenção e a educação são cruciais para se enfrentar o problema”.
A imprensa brasileira hoje faz uma apologia em torno da droga, destaca-se tanto a problemática que se esquecem as raízes mais profundas a serem tratadas.
Na experiência clínica do autor, a droga é somente um alarme, um sinal de alerta, uma denúncia clamorosa de nossa sociedade de trilhar nos caminhos que ela própria engendrou. É um sinal dos tempos, um alerta que os jovens estão tentando nos comunicar, ainda que pela via do absurdo, mas que poucos estão dispostos a ouvir.
No presente trabalho nos propomos a deixarmos de falar tanto da droga, suas conseqüências, do narcotráfico e dos crimes e passarmos a falar mais do amor, da disponibilidade e do sentido de vida.

A DROGA NA VIDA DO ADOLESCENTE

A droga na vida do adolescente de hoje não representa tanto um sinal de protesto, de revolta ou de um anticonformismo, antes é o resultado do que temos plantado em anos de uma sociedade desumana e competitiva, que treina as pessoas para terem e não para serem. Segundo Gondim (2000):
Junto com o frenesi dessa corrida materialista e consumista, aconteceu uma violenta migração para os grandes centros urbanos, tornando o mercado competitivo e forçando as pessoas a viver com um número muitíssimo maior de outras pessoas diferentes. Nasceu a globalização do mercado, o neoliberalismo e a pluralização da sociedade. Amontoando as pessoas nos grandes centros urbanos, explodiu a violência, a família perdeu vínculos de afeto, floresceu a necessidade de lazer e o comércio de drogas cartelizou-se. (p.28)
Hoje a droga não se limita a um grupo de adolescentes marginalizados, mas aparece na história da humanidade como sintoma de uma desadaptação geral. A realidade global se apresenta com toda uma oferta legal e ilegal de substâncias cada vez mais perigosas, produzidas pelas multinacionais farmacêuticas, interessadas em vender seus produtos; multinacionais do tabaco e do álcool, capazes de controlar enormes fluxos de dinheiro e inclusive administrações e governos inteiros.
Constantemente lemos reportagens nos jornais sobre vítimas de drogas, aumentam a cada dia os crimes relacionados ao vício e a idade dos dependentes é cada vez menor. Às vezes ouvimos de algum jovem na vizinhança que se tornou dependente de álcool. Outras vezes, ao sairmos para fazer compras no centro da cidade, nos confrontamos com a dura realidade de ver pessoas se drogando. (Deutschen Behinderhilfe Aktion Sogerkind, p. 8)
Os meios de comunicação de massa têm sido usados amplamente para nos fazer crer que a Máfia Internacional do tráfico de entorpecentes são alguns sujeitos mal-encarados, com traços de índios andinos ou mulatos cariocas, apanhados com enormes sacos de pós que certamente iriam levar para sujeitos vestidos de preto, com um charuto no canto da boca, escondido em algum fundo de armazém da Sicília ou de Nova Yorque. A bem da verdade, encontraremos mais facilmente os reais “mafiosos” sentados atrás de escrivaninhas de importantes multinacionais, respeitáveis chefes de família e destacados na sociedade – muitas vezes por sua filantropia.
A droga hoje está em todo lugar. Nas ruas da grande São Paulo, entre crianças que remexem latões de lixo procurando algo para comer e entre adolescentes belos e robustos do primeiro mundo, bombardeados dia e noite, além dos limites suportáveis, com as violências das ficções da TV, do rock e dos jogos eletrônicos.

O QUE SIGNIFICA OCUPAR-SE DO TEMA DAS DROGAS HOJE

Ocupar-se deste tema hoje em dia significa ocupar-se da família, da escola, do trabalho, do tempo livre, da cultura, das relações interpessoais e destas com o ambiente. Significa interessar-se pelo funcionamento das instituições, do território, da sociedade em seu conjunto. Significa interessar-se por outros povos e continentes. Leite (2001), afirma que:
Os custos da dependência incluem gastos pessoais e familiares, do sistema de saúde, de perdas laboriais, de redução de impostos, do sistema judicial e correcional, de serviços policiais, exercendo um peso importante no orçamento nacional. Tratar a dependência significa investir para a redução destes gastos já citados e a literatura científica internacional vem repetidamente apresentando os resultados positivos deste investimento. (p.26)
Também significa trabalhar com os jovens na visão que tem em relação à vida. Fornecer-lhes novos símbolos e significados. Introjetar-lhes aqueles valores autênticos que foram esquecidos em sua infância. Restituir-lhes a esperança no futuro e colocá-los em condições de fazerem projetos.
O fato de uma pessoa se tornar um drogado depende, até certo ponto, das condições e do desenvolvimento de sua infância. Porque nessa fase, pela primeira vez, são fixados os parâmetros que vão definir como ela seguirá a vida futura. Essas delimitações ocorrem principalmente nas fases de transição: ingresso na pré-escola, início das aulas, entrada na puberdade, etc. (Deutschen Behinderhilfe Aktion Sogerkind, p. 11)
Desta forma entendemos que o trabalho com a questão da droga estende-se para além das questões do tratamento das compulsões ou do combate ao comércio ilícito de substâncias psicoativas, mas inclui obrigatoriamente ações de perspectiva sistêmica: contra os meios de comunicação que, condicionados à busca de sensacionalismo, estampam em primeira página a foto do adolescente que foi encontrado com um punhado de droga no bolso, mas que se calam sobre o comentar que muitos de nossos médicos estão prescrevendo aos jovens tranqüilizantes, que na prática médica deveriam ser destinados aos doentes mentais severos ou àqueles que sofreram graves traumatismos; contra o aumento do consumo de bebidas alcoólicas entre crianças nas famílias socialmente nobres; contra a atitude de pais que, nos menores sintomas, entopem seus filhos de remédios sem consultar um profissional; contra as cenas de violência, centenas de homicídio, milhares de imagens onde se bebe álcool e contra inúmeras situações nas quais homens e mulheres são instrumetalizados, vendidos, humilhados, violentados e desfigurados.
O entendimento desta trama relacional é imprescindível para se poder haver uma ação mais efetiva no que concerne ao uso de drogas pelo adolescente. Nas palavras de Bertallanfy (1976):
A ciência clássica procurava isolar os elementos do universo observado – compostos químicos, enzimas, células, sensações elementares, indivíduos em livre competência e tantas coisas mais, na esperança que, tornando a juntá-los, conceitual ou experimentalmente, resultaria num sistema de totalidade – célula, mente, sociedade – e seria inteligível. Agora aprendemos que para compreender não se requer somente os elementos, mas sim as relações entre eles. (p.xii)
De forma sintética podemos concluir que se ocupar do tema das drogas significa ter uma compreensão da realidade complexa na qual estamos inseridos e não apenas de uma causalidade linear do fenômeno, o que pode gerar um simplismo.

PASSAR DA CONDIÇÃO DE DROGAR-SE PARA A CONDIÇÃO DE AMAR-SE

Picchi (1986) levanta o questionamento de quais seriam as razões que o adolescente de hoje em dia, diante desta realidade complexa, teria para não se envolver com a droga:
Então me dêem um bom motivo pelo qual o nosso adolescente, frágil, privado de uma forte consciência crítica, num jogo de forças entre a atração e a repulsão, deveria dizer não ao coercivo que lhe oferece marijuana, uma pílula, álcool ou cocaína. Dêem-me uns bons motivos pelo qual, naquelas famílias em que a confrontação e o diálogo têm sido sacrificados pela busca do êxito, do dinheiro e do bom nome, onde não se ensina a expressar os sentimentos, onde o compartilhar tem sido delegado à babá eletrônica e aos brinquedos caros, onde os pais se envergonham de abraçar os filhos e dizer-lhes: “Filho, eu te amo!” Os jovens deveriam ser capazes de assumir as próprias responsabilidades, de serem honestos e claros, atentos e disponíveis para com seus semelhantes.(p.5)
Diante de uma realidade social desfavorável, num país onde não existem fontes de trabalho nem escolas suficientes para atender toda a população, onde não existe uma infra-estrutura desportiva e de lazer, frente a um mundo que continua engrossando seus arsenais armamentistas, onde com freqüência os auxílios outorgados aos países pobres para sair de sua miséria vêm transformados em compra de armas e onde bastaria um descuido para se produzir um desastre nuclear, parece quase “sensato” que os jovens tenham medo deste modelo social e intentem buscar estados de inconsciência. Lisboa (2001), afirma que:
A droga, qualquer que seja, além de ter repercussões prejudiciais no conjunto do organismo humano, compromete o sendo crítico e moral e produz um entorpecimento emocional, tornando o usuário mais vulnerável psiquicamente. (p.51)
O neo-liberalismo tem provocado um crescente abismo entre ricos e pobres, onde famintos meninos de rua tem que perambular diuturnamente em busca de migalhas, as quais são obrigados a entregar em casa, sob ameaça de espancamento, cuja marquise de um prédio qualquer é mais reconfortante que o barraco onde ele presencia cenas de violência entre os pais. Tais crianças não vêem uma ‘conduta de risco’ quando intentam fugir desta realidade através dos “saquinhos de leite dos sonhos”.

A OPÇÃO DA ESPERANÇA

Os usuários e dependentes de drogas possuem, em geral, uma falta de esperança. São muitos os jovens que vagueiam pelas ‘baladas’ muito mais com medo da vida, que com medo da morte, sem um sentido, um significado para a vida. Estão desiludidos, cansados e não crêem na possibilidade de haver futuro. Johnson (apud Worthington, 2000) afirma que: A mente humana não se move de prazer em prazer, mas de esperança em esperança.
Profissionais da área de saúde mental, influenciados por teorias fatalistas e sem um sentido de mudança incrementam a idéia de ‘acomodar-se e conviver com o problema’ ao invés de propor ações efetivas de transformação da realidade. Devotos ‘sartreianos’ e ‘hemigwaianos’ reforçam a falta de sentido da vida para jovens que convivem diariamente com a violência, famílias quebradas pelo divórcio, ausência de afetos parentais, relacionamentos ‘informatizados’ e modelos sociais totalmente disfuncionais.
Segundo Maldonado (2004): Hoje enfrentamos um mundo de experiências subjetivas, de verdades relativas, de significados próprios, de desconfiança e de ironia. (p.20)

O PAPEL DA RELIGIÃO

A partir desta perspectiva, verifica-se o papel da religião na prevenção ao uso e drogas ilícitas pelo adolescente. Não uma religiosidade neurótica ou neurotizante, funcionando como substituo da droga, mas uma religião de valores, que proporcionem ao jovem o preenchimento de seu vazio interior, um sentido para o existir e uma razão para erguer a cabeça e dizer que a vida vale a pena ser vivida.
Grzybowski, Massolin e Plummer (1987), afirmam que a religião cumpre um importante fator preventivo no uso de drogas pelo adolescente, desde que a mesma seja vivenciada no seio da família como um importante marco de valores e não como uma imposição de leis e normas excêntricas à realidade do adolescente.
Nurco e Lerner (1996) afirmam que:
“A aceitação natural dos valores tradicionais e crenças paternas sobre o comportamento de juvenis tem sido notado como contribuição para uma atmosfera que ajuda a criança desenvolver uma direção de crenças morais próprios dela e, onde estas crenças são fortemente guardadas, podem servir para desencorajar a delinqüência mais tarde. Mas estudos de se forte aceitação paternal de crenças tradicionais pelos filhos juvenis desencoraja a dependência narcótica mais tarde são raros ou não existentes. Isto é verdade também para os estudos sobre desaprovação paternal sobre erros de comportamento dos seus filhos juvenis. Aqui levantamos a hipótese de que ambos fatores são associados de forma significativa com dependência mais tarde”. (p. 1089)
Os valores mais importantes a serem transmitidos aos adolescentes são: da responsabilidade, da honestidade, da justiça, da verdade, da paz, da esperança, do serviço, da disponibilidade e do sentido de pertencer. Todos estes são valores do Evangelho.
Quando pais, mesmo aqueles que se dizem cristãos, voltarem-se para os verdadeiros valores do evangelho, os valores da ternura, do afeto, do priorizar o ser, do diálogo e do desejo de simplesmente “gastar tempo” com Deus e com o próximo, então iniciaremos um GRANDE PROGRAMA PREVENTIVO, cujo efeito se fará sentir por 3 ou 4 gerações futuras. Esta já era a promessa de Deus para o povo de Israel quando Ele ditou o “SHEMÁ” em Deuteronômio 6: “As palavras que hoje te ordeno, tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás” – com toda a expressão de sua vida – andar, levantar, deitar, sentar. (Grzybowski, 1996, p.20)
Para Picchi (op. Cit, 1986), a prevenção ao abuso de drogas se inicia conosco mesmos, quando nos opomos…
… ao desafio lançado pelo sofrimento e o silêncio do mundo, num valoroso gesto de rebelião para construir, com vontade, um projeto de dimensão humana. Um gesto de revolução que parte do Evangelho, da atenção que Jesus dirigiu às massas em seu sermão da montanha, indicando ao homem como descobrir o significado da vida, do sofrimento, do serviço, da gratidão, da disponibilidade e da solicitude. (p.8)
Estes são os valores que a religião cristã nos lega. Este é o papel da religião na prevenção das drogas.

Bibliografia

BERTALANFFY, Ludwig von, (1976). Teoria Geral dos Sistemas, México: Fondo de Cultura Econômica.
DEUTSCHEN BEHINDERHILFE AKTION SOGERKIND, (1993). Drogas: como evitar, tradução de Dagmar Fuchs Grzybowski, Viçosa: Editora Ultimato, 1ª ed., 1996.
GONDIM, Ricardo, (2000). Orgulho de ser evangélico, Viçosa: Editora Ultimato
GRZYBOWSKI, C. T., MASSOLIN, L. & PLUMMER, A. L., (1987). O papel da religião na prevenção das drogas. Trabalho apresentado no Curso de Qualificação de Palestrantes na Prevenção ao Abuso de Drogas, Governo do Estado do Paraná, Secretaria do Estado da Justiça, Conselho Estadual de Entorpecentes, Curitiba, agosto de 1987.
GRZYBOWSKI, Carlos Tadeu, (1996). É só um golinho, Mulher Cristã Hoje, 5, 20-22.
GUTIERRES, S. E., MOLOF, M. & UNGERLEIDER, S., (1994). Relationship of “risk” factors to teen substance use: a comparison of abstainers, infrequent users, and frequent users, The International Journal of the Addictions, 29 (12), 1559-1579.
HUMES, D. L. & HUMPHREY, L., (1994). A multimethod analysis of families with a polydrug-dependent or normal adolescent daughter, Journal of Abnormal Psychology, 103, (4), 676-685.
LEITE, Marcos da Costa, (2001). Aspectos Básicos do Tratamento da Síndrome de Dependência de Substancias Psicoativas. Série Diálogo, SENAD, Brasília, 2ª ed.
LISBOA, Ageu Heringer, (2001). Sexo: desnudamento e mistério, Viçosa: Editora Ultimato
MALDONADO, Jorge, (2004). Introduccion al asesoramiento pastoral de la familia, Nashville, Abingdon Press.
MONTEIRO, M. G., (1990). Bases genéticas do alcoolismo: visão geral, Revista da Associação Médica Brasileira, 36, (2), 78-82.
NURCO, David N. e LERNER, Monroe, (1996), Vulnerability to narcotic addiction: family structure and functioning, Journal of Drug Issues, 26 (4), 1087-1095, 1996.
PICCHI, Mario, (1986). Que significa ocupar-se de la droga, Revista Il Delfino, ano XI, suplemento no. 5, sept-oct 1986.
SERRA, José, (1999, 8 de setembro). Sopro de mudança. Isto É, p.122.

WORTHINGTON, Everet, (2000). Casamento, ainda resta uma esperança – modelo para terapia breve, tradução de Werner Fuchs, São Paulo: Editora SEPAL

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