RIO — O Painel de Alto Nível sobre o Acesso a Medicamentos criado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, divulgou nesta quarta-feira um relatório que recomenda maior participação dos governos no desenvolvimento de novos medicamentos para melhorar o acesso da população mundial a tratamentos.
De acordo com o relatório, o preço alto de remédios e a falta de cuidado para algumas doenças afeta igualmente países pobres e ricos e são causados principalmente por custos cada vez maiores das tecnologias de saúde e a ausência de soluções para epidemias recentes como o vírus zika e a epidemia de ebola. O documento da ONU recomenda que os governos e a indústria farmacêutica trabalhem em conjunto para reduzir o preço de medicamentos essenciais, desatrelando o custo de pesquisa e desenvolvimento do valor final dos produtos.
Com quinze especialistas do mundo todo, incluindo os brasileiros Celso Amorim, ex-ministro e presidente da Unitaid, e Jorge Bermudez, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, o painel foi montado em novembro do ano ano passado para encontrar soluções para a incoerência política entre propriedade intelectual, as leis internacionais de direitos humanos, as leis comerciais e as necessidades de saúde pública.
“As críticas ao atual sistema de pesquisa e desenvolvimento (P&D), centrado na proteção patentaria e levando a monopólios e preços inacessíveis estiveram no centro do debate. Ressaltamos a questão fundamental dos direitos humanos como centro da discussão, contrapondo-se a direitos individuais, além da constatação de que o acesso a medicamentos hoje não é mais um problema restrito a países de renda baixa e média, mas sim algo que atinge a toda a população mundial. Não é possível para nenhum sistema de saúde absorver os preços exorbitantes de novas tecnologias, como acontece por exemplo com novos antivirais para o tratamento da Hepatite C e produtos oncológicos”, explicou Bermudez.
As recomendações do documento da ONU devem provocar um intenso debate entre apoiadores do atual sistema de desenvolvimento de medicamentos e aqueles que apoiam maior intervenção governamental no mercado. Segundo a agência de notícias Reuters, nem todos os membros do painel concordaram com as resoluções. O executivo-chefe da GlaxoSmithKline (GSK), Andrew Witty, teve sérias dúvidas em relação a nova proposta de pesquisa e desenvolvimento por conta da dificuldade de arrecadação dos fundos que os governos precisariam para fazer o modelo funcionar.
Outra recomendação do relatório que deve levantar polêmica é a possibilidade de países pobres que tenham dificuldade para pagar por remédios para o tratamento de doenças mortais, possam acabar com a patente para conseguir fornecer genéricos mais baratos.
De acordo com o “Financial Times”, a indústria farmacêutica teme que essa resolução possa encorajar países que já estavam pensando em emitir licenças obrigatórias para alguns medicamentos. As empresas fizeram pressão para que esse item não fosse incluído no documento final alegando que tentativas unilaterais de invalidar patentes passariam por cima das leis que protegem investimentos do setor privado na criação de novos remédios.
A ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) comemorou as recomendações do relatório da ONU e ressaltou, em nota, a importância dos governos adotarem as recomendações feitas pelo documento da ONU.
“O Painel de Alto Nível sobre o Acesso a Medicamentos apresenta recomendações práticas para ajudar a superar desafios que nossas equipes médicas vêm enfrentando há décadas. A MSF faz um apelo aos governos e à indústria para que implementem rapidamente as recomendações do relatório, incluindo a demanda por mais transparência das empresas farmacêuticas no que diz respeito aos custos de pesquisa e aos preços dos medicamentos”, disse Rohit Malpani, diretor de políticas e análises da Campanha de Acesso de MSF.
Em abril deste ano, a MSF divulgou o relatório “Lives on the Edge: Time to Align Medical Research and Development with People’s Health Needs“ (Vidas no limite: é hora de alinhar pesquisa e desenvolvimento médicos às necessidades de saúde da população, em português), que diagnostica o fracasso do sistema atual de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos e sugere novas formas de desenvolver ferramentas que atendam melhor às necessidades das pessoas, por preços que elas possam pagar.
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