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O ano de 2011 será decisivo para os estudiosos da malária e para milhares de pessoas que morrem todos os anos em conseqüência da doença. É quando serão concluídos os últimos testes de uma vacina contra a enfermidade. As experiências só foram possíveis graças ao feito de um cientista brasileiro. Victor Nussenzweig descobriu, há mais de vinte anos, a proteína que reveste o parasita da malária, chamada de circumsporozoite por ele e sua mulher, a cientista Ruth Nussenzweig, também especialista na doença. A proteína é fundamental para a entrada do parasita no homem.
Victor Nussenzweig esteve ontem na Universidade de Brasília (UnB) e contou os resultados mais recentes dos testes da nova vacina. Desenvolvida pela iniciativa privada em parceria com a Universidade de Nova Iorque, onde o cientista brasileiro é professor de patologia, o antígeno está sendo aplicado desde o ano passado no continente africano. A região foi escolhida por ter o maior número de casos registrados da doença.
Segundo o pesquisador, quase 50% das internações em alguns países da África são por malária. No Brasil, foram contados 306.908 casos da doença em 2009, sendo 96,8% deles na região Norte. Os testes da vacina devem atingir 16 mil meninos e meninas no continente africano e obedecem às normas da Convenção Internacional de Helsinki para triagem de novos medicamentos em seres humanos. "Se os testes derem certo, essa será a primeira vacina contra doenças parasitárias no mundo", afirma Victor Nussenzweig.
O cientista foi recepcionado pelo reitor da UnB, José Geraldo de Sousa, e pelo professor Antônio Teixeira e o diretor da Faculdade de Medicina, Paulo César de Jesus. Na aula ministrada na Faculdade de Medicina para quase cem estudantes e professores, a maioria especialista em doenças tropicais, o cientista narrou a história das pesquisas sobre a doença e de como descobriu a proteína do parasita. Com bom humor e várias piadas na ponta da língua, o pesquisador lembrou que a malária era uma doença terrível no século XVII, período em que matou até o Papa Gregório XV. "Atualmente, é uma das enfermidades que mais matam no mundo", disse.
A malária é transmitida por meio da picada de fêmeas do mosquito Anopheles infectadas pelo parasita do gênero Plasmodium, com quatro espécies identificadas em humanos. Os esporozoítos, um dos estágios de vida do parasita, são inoculados na pele e invadem as células do fígado, onde se multiplicam, dão origem a milhares de novos parasitas e, em seguida, caem na circulação sanguínea. É nessa fase que aparecem os sintomas da doença, principalmente, calafrios, febre e sudorese. A febre pode durar de 6 a 12 horas, ser superior a 40ºC, e vir acompanhada de dor de cabeça, náuseas e vômitos.
Segundo Victor Nussenzweig, a descoberta da proteína começou a partir de outra grande conquista, desta vez feita por sua mulher. Em 1967, Ruth foi a primeira cientista a provar que era possível imunizar roedores contra a doença por meio da irradiação dos esporozoítos. "Até então, ninguém acreditava nessa possibilidade, devido a complexidade do ciclo da doença", explica. A descoberta deu início a várias tentativas de criação de uma vacina com o uso de anticorpos. "O problema é que precisávamos de mais de 1 mil mosquitos infectados para dar proteção total ao indivíduo", revela.
Foi quando Ruth Nussenzweig fez sua segunda grande descoberta. "Ela observou que se o esporozoíto perdesse a casca deixava de ser infectante". Alguns anos depois, Victor Nussenzweig descobriu que a casca era revestida pela proteína. "Até então se pensava que só o anticorpo protegia, mas essa descoberta mostrou que não e esse foi o grande salto", conta.
A partir daí, os Nussenzweig iniciaram as tentativas de desenvolver uma vacina aliando a proteína e os anticorpos. "Os testes concluíram que 3 dos 14 voluntários ficaram imunizados, mas foi a primeira vez que alguém ficou 100% protegido". Foi quando começaram as pesquisas que agora estão em fase final de testes na África. "Ainda não é a vacina ideal, porque não protege 100% e dura em média 18 meses. Estamos tentando melhorar essa vacina", afirma o cientista. Victor Nussenzweig trabalha em modelo que usa um vírus e a proteína para provocar a imunidade. "Existem dois grupos tentando, a Rockefeller University e a Pasteur Institute, e eu e Ruth estamos colaborando".
A grande dificuldade de criação de uma vacina contra a malária, segundo o cientista, está na complexidade do parasita, que tem ciclos no mosquito e no homem. "Fazer vacina para vírus, que tem poucas moléculas, é fácil, mas para a malária, que tem cerca de seis mil genes, é um grande desafio", comenta.
CANDIDATO AO NOBEL
Victor Nussenzweig é formado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP), em 1953, onde conheceu Ruth Nussenzweig. Em 1958, foi para o Instituto Pasteur, na França, onde fez o pós-doutorado em Imunologia. Voltou ao Brasil duas vezes por breves períodos, uma em 1960, outra em 1964, mas concluiu que no Brasil não dava para fazer o que queria de forma rápida.
Em 1965, foi indicado para Professor Assistente da Universidade de Nova York. Dois anos depois, para Professor Associado e, finalmente em 1971, Professor Pleno. Em 1987, recebeu o título de Herrman M. Biggs Professor of Pathology e foi indicado chefe da Divisão de Michael Heidelberger de Patologia de Doenças Infecciosas.
"A ciência não só colocou juntas duas pessoas especiais, Victor e Ruth, mas colocou os dois dentro da sala de aula do professor Samuel Pessoa, que representa o grande princípio de todas as pesquisas que eles conduziram", afirma o professor Antônio Teixeira, da Faculdade de Medicina. "Estamos diante de um forte candidato ao prêmio Nobel", disse o diretor da Faculdade de Medicina, Paulo César de Jesus.
FONTE: UnB Agência
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