quarta-feira, 17 de março de 2010

Escritório da Embrapa em Gana transfere tecnologia para nações africanas

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Escritório da Embrapa em Gana transfere tecnologia desenvolvida
no Brasil há 20 anos, conta diretor; Cerrado é similar lá e aqui

Levar para a África tecnologias não proprietárias e conhecimentos resultantes das atividades de pesquisa e desenvolvimento para expandir a atividade agrícola para o Cerrado brasileiro. Esse é o papel do escritório da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) sediado em Acra, capital de Gana. No Labex África da Embrapa trabalham apenas três funcionários, conta Cláudio Bragantini, coordenador do escritório. Segundo ele, a Embrapa tem procurado atender às demandas dos países africanos para aumentar a produção agrícola com tecnologias desenvolvidas pela empresa no Brasil há cerca de 20 anos — não mais protegidas por patentes, já em domínio público. O atraso tecnológico no continente africano é tal que as variedades produzidas aqui na década de 1980 são mais produtivas do que as disponíveis lá nos dias de hoje. A preocupação social que move a política externa brasileira de aproximação com a África também tem uma questão estratégica: abrir mercado para a iniciativa privada brasileira.
Bragantini é pesquisador de carreira da Embrapa. Sua unidade de origem é a de Santo Antônio de Goiás (GO), a Embrapa Arroz e Feijão — a mesma do mais cotado candidato à presidência da organização, Pedro Arraes. Pesquisador na área de sementes e algodão, Bragantini também teve uma experiência entre 1976 e 1979 no Serviço de Negócios para Transferência de Tecnologia na Embrapa. Formado em engenharia agronômica, Bragantini tem título de mestre e é pós-doutor em agronomia pela Mississippi State University. Também atuou como consultor para diversas entidades, como a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO-ONU), os escritórios de Senegal e Bolívia da empresa de consultoria Chemonics Internacional, o Centro Internacional para Agricultura Tropical (Ciat), da Colômbia, e a Cooperativa Femecap, da Costa do Marfim.
Em entrevista por telefone, concedida do escritório de Acra, dia 25 de junho, a Janaína Simões, Bragantini detalhou o funcionamento do Labex África e os interesses dos países africanos e do Brasil nessa parceria.
Como é a atuação do Labex da Embrapa na África? 
A Embrapa abriu um escritório em Gana porque nossa área internacional estava sendo cada vez mais requisitada pelos países africanos, em virtude da política externa brasileira de aproximação com a África. Criamos esse escritório para melhor oferecer nossas tecnologias, facilitar a transferência. A Embrapa não fará pesquisa na África, apesar de ter havido pedido de alguns países para isso. O Brasil tem tecnologias preparadas e que têm muita chance de dar certo na África. Temos solos e clima semelhantes. Temos tecnologias testadas e adaptadas para usar aqui, mas os estudos para o uso delas não serão feitos pela Embrapa. Trabalhamos com instituições locais. Somos agentes facilitadores e não implementadores de projetos. Pretendemos no futuro ampliar nossa equipe e, quem sabe, ter um segundo escritório na África.

Qual a realidade das instituições dos países africanos? 
A maioria dos países não tem instituições de pesquisa organizadas. Os países colonizadores criaram instituições mais estruturadas, mas com a saída deles, no fim do colonialismo, as instituições enfraqueceram. Os laboratórios e estações experimentais estão muito deficitários: precisam de investimento, há pouca gente treinada. Angola, por exemplo, tem a preocupação de reverter os recursos do petróleo para o setor agrícola. Está investindo recurso próprio para desenvolver um instituto semelhante ao que é a Embrapa no Brasil. Há países desenvolvidos também interessados em financiar pesquisa e desenvolvimento para a agricultura local. A Embrapa não tem recurso para aplicar em P&D na África. Vamos oferecer a tecnologia; cabe às instituições, empresas e governos locais buscar os mecanismos para viabilizar a implantação.

Quais conhecimentos a Embrapa e o Brasil têm, resultantes de nossas atividades de pesquisa e desenvolvimento, que realmente são de interesse dos países africanos? 
O conhecimento principal, diria, está na questão do domínio dos solos no Cerrado. O grande impulso que o Brasil teve no cultivo no Cerrado se deu quando começamos a resolver os problemas de acidez e fertilidade do solo desse bioma. São tecnologias básicas. Nosso solo e vegetação são muito parecidos, basta lembrar que África e Brasil estiveram unidos [América e África fizeram parte de um continente, a Pangea, há milhões de anos. Nota do E.]. Temos tecnologias para solo perfeitamente aplicáveis no continente africano. O solo é a barreira mais difícil de transpor para cultivar no Cerrado, precisa de muitas correções. Temos também o interesse dos países africanos pelas técnicas de conservação, em especial pela do plantio direto. Cada unidade da Embrapa trabalha no Brasil para desenvolver, dentro das especificidades de cada cultivo, um sistema de plantio direto. Ele não é único para todas as culturas. 

De quais tecnologias brasileiras a ser usadas na África estamos falando? 
São variedades lançadas no Brasil há 20 anos ou mais, de domínio público, até ultrapassadas para o Brasil, mas que ainda têm grande utilidade aqui, dado o atraso tecnológico dos países. Temos muitas variedades desenvolvidas nos anos 1970 e 1980 que estão em domínio público e às quais os países africanos nunca tiveram acesso. Atendemos à demanda dos países, observando onde temos vantagem para colaborar com eles.

Quais culturas despertam a atenção das nações africanas? 
No oeste da África, por exemplo, há interesse por tecnologias relacionadas à produção e processamento de soja, de castanha de caju; há interesse pela mandioca. No leste do continente, observamos uma concentração dos interesses pela soja. 

Mas por que a Embrapa está trabalhando com tecnologias menos avançadas? 
No caso das variedades mais modernas, muitas resultam de pesquisas em biotecnologia e são patenteadas. Não transferimos essas variedades porque a maioria dos países africanos não tem lei de proteção de cultivares. Contudo, a legislação de cada país obriga que a introdução de novas variedades seja precedida de testes e aprovação, e há interesse dos governos e organizações locais em colocar suas estruturas [para testes e aprovação] à disposição. A Embrapa pode ajudar no plantio de parcelas de demonstração, onde podemos observar como se saem as variedades vindas do Brasil em comparação com as variedades locais. Para isso, podemos usar recursos locais ou podemos encontrar parceiros. Se um governo quiser desenvolver soja, por exemplo, estabelecemos com ele uma cooperação para testar as variedades.

A iniciativa privada tem sido parceira? 
Poderemos usar as estruturas da iniciativa privada. Por exemplo, se um grupo empresarial estiver interessado em produzir a semente e quiser testar as variedades brasileiras, podemos negociar royalties. Mas imaginamos que essa modalidade de parceria será feita em uma segunda fase, quando esgotarmos as possibilidades de explorar as tecnologias brasileiras já existentes e que estão em domínio público. A África precisa de um salto tecnológico muito grande para chegar ao estágio em que vai precisar de tecnologias protegidas. Esse seria o segundo grande salto. Temos as tecnologias de domínio público aí, disponíveis e de fácil acesso, para países com poucos recursos, e que podem ajudar a África hoje. 

Em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo do dia 23 de junho, menciona-se o desejo da Embrapa de exportar alimentos produzidos na África. Como lidar com a questão da exportação de alimentos em um continente no qual a fome é o problema social mais grave
A produção agrícola na África é pequena por uma questão de preço — não por falta de terra. Preço muito baixo não estimula a produção. A maioria da produção destinada à alimentação não tem escala para competir no mercado. A solução é agregar valor a esses produtos, que são originados dos pequenos produtores. Por exemplo, a castanha de caju é vendida in natura, a preços muito baixos, e vai para países como a Índia, que a beneficia. Os países querem sair dessa dependência. A mandioca é outro exemplo: estamos mostrando como é possível usá-la para produção de fécula, farinha; estamos sinalizando para a produção de etanol a partir da mandioca. O que ajuda o pequeno produtor é agregar valor e ampliar a produtividade. O grande produtor não precisa da nossa ajuda. Ele sabe onde vender. Por exemplo, o produtor de etanol de cana sabe que tem mercado na Europa, mais aberta aos produtos africanos. 

O Brasil pode contribuir com os produtores de etanol africanos? Eles estão avançados tecnologicamente, pelo menos no que se refere à produção do etanol de primeira geração? 
Não, eles não têm tecnologia de ponta. Estão lançando-se no mercado e querem a tecnologia varietal brasileira, área na qual a Embrapa não tem grande envolvimento ainda. Mas a Embrapa pode ajudar os governos africanos, por exemplo, na questão da regulamentação. Eles querem saber como abrimos caminho para o etanol no mercado interno, com a regulamentação da mistura do etanol na gasolina. 

Há uma teoria de que os pequenos produtores agrícolas, em especial, resistem à adoção de novas tecnologias. Na África é assim? Isso é um problema de extensão [extensão é o nome dado à atividade de difusão de conhecimentos e tecnologias entre produtores. Nota do E.]? 
Não faz parte das atividades da Embrapa, no Brasil ou fora, a atuação na extensão. O que fazemos no Brasil é treinar agentes de extensão. Na África, a dificuldade é maior para agirmos na extensão, porque nossa equipe é pequena. O que podemos fazer é facilitar a recepção da tecnologia por meio do trabalho com terceiros, como empresas, órgãos de governo. Consultores brasileiros podem vir para cá para atuar nisso. Já treinamos agentes da África no Brasil para que eles atuem localmente, por exemplo, na técnica da micropropagação. O convencimento para adoção da tecnologia não é muito complicado: é só mostrar ao produtor que ele vai aumentar a capacidade de ganhar dinheiro com aquilo. Se o produtor focar apenas o atendimento de sua necessidade, irá até certo limite. Se ele tiver mercado para vender mais da sua produção, o limite será outro. A melhor forma é oferecer-lhe tecnologias comercialmente viáveis. 

Outro país que tem investido e atuado na África é a China. Há espaço para uma cooperação entre chineses e brasileiros na África? 
A China opera aqui de forma diferente. O país precisa alimentar sua enorme população, mas não possui terra para ampliar suficientemente a produção agrícola. Por isso, os chineses precisam ter acesso a grandes áreas de produção. Como vieram com muito recurso, fica mais fácil persuadir os países a aceitar a presença deles. Os chineses vão aprender ainda a fazer agricultura tropical. O Brasil quer ajudar a África estabelecendo uma relação próxima e quer abrir oportunidades para as tecnologias e a iniciativa privada brasileiras, como a indústria de máquinas e equipamentos. Queremos facilitar o acesso às nossas tecnologias por intermédio de terceiros, como empresas e consultorias brasileiras, que podem estabelecer seus negócios aqui para atender o mercado africano. Ou seja, não estamos pensando em ganhar dinheiro para a Embrapa com royalties, no curto prazo. Nossa atuação é mais estratégica.

Fonte: http://www.inovacao.unicamp.br

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