quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

URBANIZAÇÃO CORPORATIVA: UM DESAFIO PARA A VIDA NA CIDADE

Trânsito em Nova Delhi

“A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram”. Salmo 85.10

“De que me adianta viver na cidade se a felicidade não me acompanhar”. (Saudade da minha terra - Goia e Belmonte)

As cidades constituem-se nos agrupamentos mais dinâmicos e complexos que a humanidade já produziu. Todos os tipos de contradições e conflitos estabelecem-se nas cidades e tornam-se quase sempre grandes obstáculos para a sustentação da vida plena. Estas complexidades e contradições do contexto urbano nos fazem muitas vezes afirmar que existem muitas cidades dentro de um mesmo espaço geográfico, gerando um verdadeiro caos urbano, por vezes insustentável e injusto.

Dentre os fatores causadores do caos urbano que se instala nas cidades brasileiras, um nos chama a atenção. Trata-se do que o geógrafo Milton Santos (2005, p.105) denominou Urbanização Corporativa, ou seja, um processo de urbanização inteiramente orientado para atender aos interesses do mercado e à expansão capitalista.

Compreende-se que ao orientar as políticas públicas para o atendimento destes interesses (privados), o resultado é um processo de urbanização excludente e que precariza as relações entre o Estado e a sociedade civil. Neste processo, o indivíduo perde sua condição de cidadão, tornando-se meramente um usuário dos serviços prestados pelo Estado ou empresas privadas, desde que possa pagar por eles (SANTOS, 1998).

Uma Urbanização Corporativa favorece a proliferação dos “guetos” e a ausência efetiva de planejamento urbano e políticas urbanas voltadas para os interesses dos cidadãos ou da vontade geral. O planejamento urbano encontra-se voltado quase exclusivamente e prioritariamente para atender aos interesses dos grandes grupos econômicos, como na construção de vias (quase privadas) para o escoamento da produção e cessão de áreas públicas para a construção de empreendimentos industriais, ignorando necessidades fundamentais para o conjunto dos habitantes da cidade.

A urbanização corporativa frustra a construção de um espaço urbano sustentável, de uma cidade efetivamente para todos as pessoas, um lugar onde a verdade e a misericórdia se encontrem, e o “juízo corra como as águas, e a justiça como o ribeiro impetuoso” (Amós 5.24). Frente à urbanização corporativa, a Igreja vive alguns desafios. O primeiro desafio é abrir-se para o diálogo com a sociedade e se envolver com a realidade humana e urbana com todo o seu dinamismo. O segundo desafio é compreender os tempos de vida comunitária, entender que as pessoas possuem pouco e valioso tempo, e que, por isso, aquele tempo passado comunitariamente deve ser vivido de forma intensa e prazerosa, ao mesmo tempo em que ajuda as pessoas a assumirem compromissos também comunitários. O terceiro desafio é inserir- se no contexto dos excluídos, estando presente em todos os dramas da vida humana, tornando-se ativa na vida política e na organização da cidade, sinalizando o Reino de Deus e não se deixando sinalizar e seduzir pelo forte individualismo presente na cidade (COMBLIN, 2002).

Assim, a cidade deve ser resgatada como o espaço de convivência e de relações humanas, do exercício da cidadania, da vida plena e abundante, ela não pode ser reduzida a um palco de enormes desigualdades, injustiças sociais e interesses privados. Diante deste fato, “a Igreja não pode abandonar a sua vocação pública, e perder com isso, sua relevância política” (CASTRO, 2000, p. 110-111). Ela precisa contribuir para o surgimento de ações promotoras de justiça e igualdade, e ser a voz que anuncia os sinais de esperança para toda gente que vive em busca da feliz-cidade.


Prof. Oswaldo de Oliveira Santos Junior é Pastor Metodista, professor da Faculdade de Humanidades e Direito (FAHUD - Ciências Sociais e Núcleo de Formação Cidadã) da Universidade Metodista de São Paulo, e membro do Núcleo Educação em Direitos Humanos (NEDH) e do Grupo de Pesquisa Gestão de Cidades.



Referência bibliográfica

CASTRO, Clóvis Pinto. Por uma fé cidadã: a dimensão pública da igreja – fundamentos para uma pastoral da cidadania. São Paulo: Loyola / UMESP, 2000.

COMBLIN, José. Os desafios da cidade no século XXI. São Paulo: Paulus, 2002.

COMBLIN, José. Viver na cidade: pistas para uma pastoral urbana. 2ª ed. São Paulo, Paulus, 1996.

HINKELAMMERT, Franz J. “Pensar em alternativas: capitalismo, socialismo e a possibilidade de outro mundo”. In: DUSSEL, Enrique (et al). Por um mundo diferente: alternativas para o mercado global. Petrópolis: Vozes, 2003.

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5ª ed. São Paulo: EDUSP, 5 ed., 2005.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 4ª ed. São Paulo: Nobel, 1998.

Fonte: http://www.metodista.br/cidadania/

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