Nos 100 anos do mal de Chagas, Fiocruz pesquisa o segundo remédio contra a doença
Rio de Janeiro - No ano do centenário da descoberta do mal de Chagas, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) prepara para os próximos meses o início de testes em humanos de um novo medicamento à base de selênio, um dos elementos naturais subtraídos no organismo pela doença.
A diretora do IOC, Tânia Araújo-Jorge, responsável pela pesquisa, diz que os testes em animais foram concluídos com êxito e agora cumpre-se a série de protocolos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para os testes com os portadores da doença, em fase de seleção entre os 1.200 registrados no Instituto de Pesquisas Clínicas Evandro Chagas, também da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A importância dessa pesquisa pode ser avaliada pelo fato de, em 100 anos, a doença de Chagas ser combatido com um só medicamento, o Benzonidazol, que provoca efeitos colaterais danosos, não pode ser administrado por longo período e perde eficácia diante do crescente número de transmissores. “O mal de Chagas é doença de pobre, mais especificamente de pobre latino-americano”, explica a pesquisadora. “Esta é a principal razão para termos só um remédio até hoje, embora o interesse venha aumentando nos Estados Unidos, no Canadá, na Alemanha e até no Japão, porque a doença também chegou ao mundo desenvolvido."
A doença de Chagas desembarcou nesses países por meio de transfusão de sangue e transplantes de órgãos de doadores imigrantes portadores da doença. Embora a medicina e os aparelhos sejam sofisticados na Europa e na América do Norte, Tânia conta que eles não estão preparados para detectar se o sangue ou os órgãos estão infectados por um mal que não está na sua realidade. “Como apenas 30% das pessoas infectadas apresentam a sintomatologia, o parasita não se manifesta na maioria dos seus portadores”, ela acrescenta, como justificativa à infecção em outros lugares.
Como ocorre no mundo inteiro nas pesquisas científicas em geral, a que se desenvolve no Instituto Oswaldo Cruz não tem prazo para chegar a algum resultado, mas Tânia Araújo-Jorge estima em sete anos o tempo para saber se os testes em pacientes com o novo medicamento apresentam resultado encorajador. “É possível, não podemos afirmar nada, a não ser que, dando tudo certo, o governo terá de bancar o novo produto, porque a indústria farmacêutica internacional não tem interesse em fabricar remédio para quem não pode comprar."
Se na África, Índia e nos países pobres da Ásia e da Oceania não existem os transmissores do mal de Chagas, na América Latina eles não param de se multiplicar e, pelas contas da diretora do IOC, somam mais de 100 apenas no Brasil. “São vetores de regiões pobres, entram por frestas nas casas, estão no mato, nas plantas e nos animais, embora em Cochabamba, na Bolívia, já se tenha encontrado transmissor em área urbana, em casa de alvenaria. É preciso acompanhar as alterações ambientais, como o aquecimento, para também acompanhar a evolução da transmissão."
No Brasil, cujo universo de infectados gira entre 4 milhões e 6 milhões, o mal de Chagas é enfrentado em “três grandes linhas de ação”, segundo Tânia: o estudo permanente e aprofundado do uso do Benzonidazol, a investigação sobre novas drogas contra o parasita e o fortalecimento da resistência do paciente. Ela age nas três, mas seu foco principal é o paciente e não o parasita. “Os doentes já são prioritários para transplantes desde o primeiro transplante de coração feito no país, há mais de 40 anos, como também merecem atenção especial para a implantação de marcapasso cardíaco."
A expectativa de médicos e pesquisadores é de que em 50 anos o mal de Chagas esteja sob controle, sobretudo porque já não há crianças infectadas, os doentes crônicos estão sob tratamento e os idosos vão cumprindo seu ciclo de vida - o que também contribui para a gradual redução do universo da doença. Tânia Araújo-Jorge considera que o desenvolvimento do país, com obras de infraestrutura e de caráter social, também é um fator positivo na luta contra o mal centenário.
Por outro lado, a descentralização do combate aos transmissores, implementada a partir de 1999 com a transferência das ações federais à esfera municipal, causa apreensão entre pesquisadores da própria Fiocruz, reconhece a diretora do instituto. “É fundamental manter equipes preparadas nas cidades, capazes de identificar transmissores e situações onde eles estão, como plantas, roedores, marsupiais e outros animais hospedeiros que transmitem a doença. Nós fazemos a distribuição de material para o combate em todas as regiões do país, com instruções precisas sobre o que fazer."
E finaliza: “Mas o mal de Chagas nunca será extinto, porque está na natureza, como disse, no mato, nas plantas, nos animais e no homem que interage nesse ambiente. Por isso, a contaminação vem crescendo na Amazônia, onde a população também não para de aumentar”.
Fonte: http://www.agenciabrasil.gov.br
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