sábado, 16 de agosto de 2008

A responsabilidade social das igrejas

Wildo Gomes dos Anjos é fundador e presidente da Missão Vida, instituição filantrópica que há 25 anos recupera mendigos. Estudou Teologia no Seminário Teológico Cristão Evangélico e é pastor da Igreja Evangélica Vida, fundada há 12 anos com o objetivo de integrar ex-mendigos à sociedade e ao Corpo de Cristo. Sua larga experiência na área social o tem levado a ministrar em congressos e igrejas no Brasil e também no exterior.

Nesta entrevista ele fala de assuntos como caridade, missão integral, ação e responsabilidade social na Igreja, compartilhando os resultados dos últimos três anos e dando mais detalhes sobre aqueles que mantêm financeiramente a Missão. Confira!


Os dicionários de administração definem responsabilidade social como “aquela que as organizações assumem em relação ao pagamento de salários dignos, arrecadação correta de carga tributária, aumento da qualidade de vida, ou qualquer outro fator inerente que possa agregar benefício para a sociedade como um todo”. Como o senhor definiria ou descreveria este termo sob a ótica cristã?
Wildo - Responsabilidade social é tudo aquilo que entendemos que devemos fazer para tornar o mundo mais justo e igualitário no que diz respeito aos mais fracos, pobres e necessitados.

Débora Fahur, do Vale da Benção, declarou em uma entrevista ao Instituto Jetro que “há ainda um número muito grande de igrejas e denominações totalmente alheias às necessidades sociais e à forma de agir no enfrentamento a pobreza e da miséria.” Qual a sua visão sobre esta situação? Quais são as causas desta aparente indiferença?
Wildo - Eu discordo da Débora Fahur, do Vale da Bênção. Eu diria que a maioria das igrejas está mesmo envolvida em algum tipo de ação social. Se a Igreja Evangélica no Brasil deixasse de realizar o seu trabalho, que muitas vezes é feito de forma anônima e silenciosa, o povo brasileiro sentiria grandemente. Há 25 anos, quando iniciei o trabalho da Missão Vida, ação social era coisa para espírita e comunista, mas isso, graças a Deus, tem mudado gradativamente. Eu daria nota seis à visão das igrejas chamadas históricas (tradicionais). As igrejas pentecostais e neo-pentecostais receberiam nota quatro. As igrejas que hoje estão envolvidas com células, e G-12 principalmente, são as que têm a visão mais deficitária, pois têm um trabalho muito voltado para si mesmo, esquecendo-se que todos fazemos parte de um mesmo time e quando alguém faz um “gol”, independente da denominação, é o Reino de Deus que ganha. Mesmo diante deste quadro, que ainda não é o ideal, eu diria que 80% das igrejas têm algum tipo de ministério voltado para os carentes, seja para os domésticos da fé ou para população de um modo geral.

O conceito de caridade ainda perdura quando se pensa no social? Isto dificulta a ação social da igreja e entidades afins?
Wildo - Eu pessoalmente penso que ação social também é caridade. A Palavra de Deus nos diz em Marcos 6:34: “E Jesus, vendo a multidão, compadeceu-se dela”. Se Jesus, que era Deus, precisou ver a necessidade das pessoas para sentir compaixão, quanto mais nós, seres humanos. O que move as pessoas a terem uma atitude positiva diante da dor e do sofrimento é, sem dúvida, o sentimento de caridade e amor ao próximo, mesmo que às vezes, elas mesmas não consigam identificar isso dentro si. Todos nós somos bons e ruins ao mesmo tempo e se permitirmos esse lado bom pode aflorar.

Segundo o Pr Josivaldo de França Pereira, “evangelização e responsabilidade social são partes integrantes da missio Dei, portanto, inseparáveis e indispensáveis na missão integral da Igreja de Jesus Cristo no mundo e para o mundo”. Como o senhor entende que esta responsabilidade deveria ser praticada pelas igrejas?
Wildo - Jesus nunca viu as pessoas apenas como um espírito. Ele sempre tratou o homem como um ser integral: corpo, alma e espírito. Pode ser que em países de primeiro mundo, como Suíça, Suécia, Finlândia, ação social não seja tão premente, mas num país miserável como o Brasil, é impossível pensar em alcançar as pessoas pobres sem termos uma estratégia para o homem todo. Às vezes nós pensamos em grandes coisas, e nos sentimos impotentes em não poder realizá-las, mas mesmo as igrejas menores e mais pobres podem desenvolver ações que podem mudar de forma significativa a vida das pessoas. Pequenas atitudes, muitas vezes, fazem toda a diferença. Quando muitos vêem o tamanho da Missão Vida hoje, dizem que se tivessem uma estrutura como a nossa poderiam fazer algo em sua cidade ou estado. Mas elas se esquecem que eu não comecei com tudo que eu tenho hoje.

Quais os principais resultados a Missão Vida têm alcançado? Quem são os seus principais colaboradores na caminhada?
Wildo - Comecei distribuindo alimentos nas ruas, construí com meus próprios recursos uma casa para abrigar 12 homens, que depois foi ampliada para 20, 60, 80, 120. Atualmente temos 320 leitos e 73 missionários em tempo integral. Nos últimos três anos servimos quase 1.200.000 refeições, prestamos 77.000 atendimentos médico, odontológico e psicológico, e tivemos a alegria de ver 97 ex-mendigos se formando nos nossos cursos bíblicos como obreiros e pastores, além de centenas de crianças e famílias que foram atendidas. Ver alguém andando com suas próprias pernas e saber que Deus usou você, apesar de você, traz grande alegria.

Qual a relação da Missão Vida com as grandes empresas? Sabe-se que atualmente os financiadores estão cada vez mais informados e exigentes em relação ao retorno social de suas verbas...
Wildo - Costumo dizer que missão e ação social se fazem com promessa dos ricos e dinheiro dos pobres. A Missão Vida não tem nenhum grande mantenedor. Cerca de 85% dos nossos colaboradores doam R$ 12,00 por mês. Temos apenas seis empresas que participam regularmente e nenhuma delas com uma grande soma em dinheiro. Quando vejo alguma instituição contando que conseguiu um grande colaborador eu me pergunto: “Senhor, por que a dificuldade em termos a mesma experiência?”.

Como o senhor concilia o trabalho pastoral com as demandas oriundas de sua atuação na Missão Vida? De que forma a sua igreja se relaciona com a Missão?
Wildo - O meu trabalho social é pastoreio, quando eu recolho alguém na rua, aconselho, oro, levo para o Centro de Recuperação, ajudo a curar suas feridas físicas e emocionais ou prego um sermão, isso é sacerdócio. Infelizmente muitos pastores perderam, há muito tempo, o contato com os problemas e sofrimento das pessoas. Atendem apenas nos gabinetes, passam horas e horas lendo e estudando, preocupados em pregar uma boa mensagem no domingo. Creio que todos os pastores devem separar um bom tempo para oração e estudo, mas estar em contato com as pessoas tem que ser prioridade em nossas vidas. A Igreja que eu pastoreio no momento foi fundada há 12 anos com o objetivo de integrar ex-mendigos à sociedade e ao Corpo de Cristo. Hoje nós temos uma freqüência média superior a 180 ex-mendigos e possivelmente o mesmo número de pessoas que nunca tiveram problemas com álcool e drogas, nem tão pouco mendicância. Temos como membro de nossa igreja: empresários, profissionais liberais, professores universitários, jovens e famílias, e eu fico maravilhado de ver como estas pessoas compreendem e se completam. Essa é a beleza do corpo de Cristo. Apesar de ser uma igreja pequena e não ter nenhuma pessoa milionária, nossa Igreja é a maior mantenedora individual da Missão Vida. E não só da Missão mais de nove agências e missionários que temos o privilégio de ajudar financeiramente.

Com base na experiência acumulada com mais de 25 anos de atuação social, o que o senhor diria a pastores e líderes que sonham em estruturar de forma prática a ação social de suas igrejas?
Wildo - Comece. Mesmo de que uma forma simples. Tenham fé e acreditem de todo o coração. Deus é o grande interessado em alcançar todas as pessoas. Nós somos apenas meros instrumentos e, quando nós nos colocamos no caminho, Deus sempre nos dá meio, pessoas, recursos e condições de realizar os Seus sonhos.

FONTE: Rede Evangélica Nacional de Ação Social

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